Os movimentos que saem da internet para ganhar as ruas, longe de ser a "primavera" com que sonham â ou fingem sonhar seus reais mentores, têm se mostrado um melancólico outono dos tradicionais dispositivos de agenciamento midiático.
Gilson Caroni Filho
Os brasileiros, que tiveram de passar 20 anos, lendo nas entrelinhas, especulando a partir de meias palavras ou interpretando procurando interpretar â as rudes reações viscerais trazidas ao público por aqueles que detinham o poder, têm hoje olhos e ouvidos apuradÃssimos para entender o que há por trás de cada episódio do cotidiano, por mais irrelevante que possa parecer à primeira vista. à isso que o baronato midiático parece não ter entendido ao continuar patrocinando atos que, a pretexto de combater a corrupção, têm como objetivo esvaziar a polÃtica.
Os movimentos que saem da internet para ganhar as ruas, longe de ser a "primavera" com que sonham ouu fingem sonhar seus reais mentores, têm se mostrado um melancólico outono dos tradicionais dispositivos de agenciamento midiático. Submersos na crise do imobilismo de suas bases, resta à velha direita o consolo de platitudes publicadas para justificar mais uma tentativa fracassada. O saldo de mais um insucesso ora é debitado à boa situação da economia brasileira ora a uma estranha lógica binária, como a apresentada pelo professor de Ãtica e Filosofia PolÃtica da Universidade de São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro, na edição de 13/ 05, de O Globo.
"O problema na luta contra a corrupção é que ela está tomada pelos partidos. E é uma lástima que as pessoas usem isso contra o partido oposto". Mas a que se refere o renomado acadêmico? A caracterÃstica do movimento não seria exatamente o seu reiterado "caráter apartidário"? Ou, sem se dar conta, Janine revela o fato que deveria permanecer oculto: o centro polÃtico da reação está agrupado no campo jornalÃstico oligopolista que assume para si o papel de partido de oposição.
O mesmo partido que deu sustentação a duas décadas de ditadura militar. O mesmo agrupamento que silenciou as emoções e expectativas da opinião pública durante os oito anos de desmando do tucanato. Que editou a realidade para ocultar as preocupações da população com o apagão, o descontrole cambial, a desnacionalização de partes substanciosas da produção e serviços nacionais, os rigores de uma polÃtica econômica que duplicaram as dÃvidas externas e internas e criaram seguidos déficits comerciais.
Desemprego, congelamento ou irrisórios aumentos salariais, ao lado de escândalos polÃticos e econômicos, pareciam fazer parte do cenário natural para os mesmos colunistas militantes que agora se arvoram em defensores de valores republicanos. Num conhecido jogo de espelhos, a defesa incondicional dos ditames do mercado é trocada, editorialmente, pela busca de posicionamento ético no trato da coisa pública. A guinada é tão mal-feita que não atrai o distinto público, como pudemos constatar nas manifestações de quarta-feira, dia da padroeira oficial do Brasil. No Rio de Janeiro, os manifestantes chegaram a hostilizar os que preferiram olhar o mar a ver a ressaca dos derrotados.
Para deixar claro qual o objetivo da TV Globo e de seus sócios menores nessa simulação barata, vale a pena reproduzir o que escreveu o ex-deputado Milton Temer (PSOL) em seu blog: "promover no Brasil uma onda semelhante à que lamentavelmente varre povos de potências capitalistas, que se reúnem em manifestações pontuais e conjunturais, mas que, pela abstenção nos processos eleitorais, por justificado ceticismo, permitem à direita mais reacionária manter o controle absoluto das instituições, ditas republicanas, que realmente deliberam sobre seus destinos, através do modelo de sociedade que desenham com suas leis e decisões dos poderes Executivo e Judiciário."
O brasileiro sabe que, sempre que uma esperança se frustra (o que não é o caso do atual governo), vem a decepção e é preciso criar alternativas. Sempre é preciso reconstruir caminhos, mas o que a grande imprensa apresenta é um atalho para o precipÃcio.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
Rio 13/10/2011
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